Capítulo 1
O HOMEM
É A MAIS ALTA,
A MAIS ABSOLUTA
E A MAIS EXCELENTE
DAS CRIATURAS
Supunha-se que o conhece-te a ti mesmo tivesse vindo do céu.
1. Quando Pítaco [1] pronunciou o seu «conhece-te a ti mesmo» os sábios acolheram esta máxima com tão grandes aplausos que, para a recomendarem ao povo, afirmaram que ela viera do céu, e tiveram o cuidado de a fazer inscrever, em letras de ouro, no templo de Apolo, em Delfos, onde o povo afluia em grande número. Este foi um ato de sabedoria e de piedade; aquela foi, de fato, uma ficção, mas absolutamente conforme à verdade, como para nós é evidente mais que para eles.
Veio verdadeiramente do céu.
2. Efetivamente, a voz que, vindo do céu, ressoa nas Sagradas Escrituras, que outra coisa quer dizer senão: «ó homem, que tu me conheças, que tu te conheças?» Eu, fonte de eternidade, de sabedoria e de beatitude; tu, criatura, imagem e delícia minha.
Sublimidade da natureza humana.
3. Com efeito, destinei-te a compartilhar comigo da eternidade; para teu uso, preparei o céu, a terra e tudo o que neles está contido; só em ti juntei, ao mesmo tempo, todas as prerrogativas, das quais as outras criaturas apenas têm uma: o ser, a vida, os sentidos e a razão. Fiz-te soberano das obras das minhas mãos, e coloquei tudo a teus pés, as ovelhas, os bois e os outros animais da terra, as aves do céu e os peixes do mar, e desta maneira coroei-te de glória e de honra (Salmo 8, 6-9). A ti, finalmente, para que nada te faltasse, dei-me eu próprio, mediante a união hipostática, ligando para sempre a minha natureza com a tua, sorte que não coube a nenhuma das outras criaturas visíveis e invisíveis. Com efeito, qual das outras criaturas, no céu ou na terra, se pode gloriar de que Deus se revelasse na sua própria carne e apresentado pelos anjos? (Timóteo, I, 3, i6), ou seja, não apenas para que vejam e se admirem a ver quem desejavam ver (Pedro, I, 1, 12), mas ainda para que adorem a Deus que se revelou vestido de carne, ou seja, Filho de Deus e do homem (Hebreus, I, 6; João, I, 51; Mateus, 4, 11). Deves, portanto, compreender que és o protótipo, o admirável compêndio das minhas obras, o representante de Deus no meio delas, a coroa da minha glória.
É necessário colocar esta verdade debaixo dos olhos de todos os homens.
(COMENIUS CITA A CÉLEBRE FRASE:"conhece-te a ti mesmo" PARA DIZER QUE O HOMEM PODE ENCONTRAR DEUS APÓS CONHECER PROFUNDAMENTE O SER HUMANO, PORQUE O HOMEM TEM A GLÓRIA DE SER A UNICA CRIATURA FEITA A IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS)
4. Oxalá todas estas verdades sejam esculpidas, não nas portas dos templos, não nos frontispícios dos livros, não, enfim, nas línguas, nos ouvidos e nos olhos de todos os homens, mas nos seus corações. Deve procurar-se, na verdade, que todos aqueles a quem cabe a missão de formar homens façam com que todos vivam conscientes desta dignidade e excelência, e empreguem todos os meios para atingir o objetivo desta sublimidade.
( O EDUCADOR É UM FORMADOR DE HOMEM, UMA BOA EDUCAÇÃO NO PRINCÍPIO DA VIDA É FUNDAMENTAL PARA QUE CRESCAM ADULTOS QUE APRENDAM A RESPEITAR AS REGRAS E SEJAM JUSTOS)
Capítulo II
O FIM
ÚLTIMO DO HOMEM
ESTÁ
FORA DESTA VIDA
A mais excelente das criaturas deve necessariamente ter a finalidade mais excelente.
1. A própria razão nos diz que uma criatura tão excelente é destinada a um fim mais excelente que o de todas as outras criaturas, isto é, sem dúvida, a gozar, juntamente com Deus, que é o cume da perfeição, da glória e da beatitude, para sempre, a mais absoluta glória e beatitude.
O que é evidente.
(A BÍBLIA DÁ UMA ENFASE NO SER HUMANO COMO A CRIATURA DIFERENTE DE TODAS AS OUTRAS, PORQUE NELE DEUS COLOCOU O ESPÍRITO O QUE LHE CONFERE UM STATUS SUPERIOR AOS DEMAIS SERES CRIADOS. A DOUTRINA HUMANISTA COLOCA O HOMEM EM IGUALDADE COM OS "BICHOS". MAS É EVIDENTE QUE OS HOMENS SÃO INFINITAMENTE SUPERIORES AS ANIMAIS, E ISSO NÃO FOI POR OBRA DA EVOLUÇÃO MAS DA CRIAÇÃO )
2. Mas embora isto se infira claramente da Sagrada Escritura e nós acreditemos firmemente que é de fato assim, todavia, não será tempo perdido ver de quantos modos, nesta vida, Deus nos tenha figurado o Além («Plus ultra») ou de quantos modos a ele possamos chegar.
1. Da história da criação.
3. Em primeiro lugar, no próprio momento da criação. Com efeito, não ordenou ao homem simplesmente, como aos outros seres, que viesse ao mundo; mas, após uma solene deliberação, formou-lhe o corpo como que com os seus próprios dedos e insuflou-lhe por alma uma parte de si mesmo.
2. Da constituição do nosso ser.
4. A constituição do nosso ser mostra que não nos bastam as coisas que possuimos nesta vida. Com efeito, temos aqui três espécies de vida: vegetativa, animal, e intelectual ou espiritual — a primeira das quais nunca se manifesta fora do corpo; a segunda, mediante as operações dos sentidos e do movimento, põe-nos em relação com os objetos exteriores; a terceira pode existir também separadamente, como se verifica nos anjos. Ora, uma vez que é evidente que este grau supremo da vida é fortemente obscurecido e perturbado em nós pelos outros dois, segue-se necessariamente que o será também no lugar onde ela for conduzida ao mais elevado grau de perfeição .
(O SER HUMANO É DISTINTO DOS OUTROS SERES VIVOS PORQUE POSSUI VIDA INTELECTUAL E ESPIRITUAL. OS VEGETAIS VIVEM LIMITADOS PELO CORPO QUE POSSUI, FICANDO IMOVEIS. OS ANIMAIS, PELOS SENTIDOS QUE POSSUEM PODEM TER CONHECIMENTO DO MUNDO FAZENDO DESCOBERTAS PELO TATO, OLFATO, PALADAR, AUDIÇÃO E VISÃO. O HOMEM PELO PENSAMENTO, RAZÃO, SENTIMENTO E ESPIRITUALIDADE PODE IR MUITO ALÉM, POR ISSO SÓ ELE TEM O SENSO DE RELIGIOSIDADE )
3. De tudo o que fazemos e sofremos nesta vida.
5. Tudo o que fazemos e sofremos nesta vida mostra que não atingimos aqui o nosso fim último, mas que tudo o que é nosso, e bem assim nós próprios, tende para outro lugar. Com efeito, tudo o que somos, fazemos, pensamos, falamos, imaginamos, adquirimos e possuímos não é senão uma espécie de escada, na qual, subindo cada vez mais acima, é certo que subimos sempre degraus mais altos, mas nunca chegamos ao último. A princípio, com efeito, o homem nada é, como nada era ab aeterno; começa a desenvolver-se somente no útero materno, a partir de uma gota de sangue paterno. Que é, portanto, o homem no princípio? Matéria informe e bruta. A seguir, assume os traços de um pequeno corpo, mas ainda sem sentidos nem movimentos. Depois, começa a mover-se e, por força da natureza, vem à luz; e, pouco a pouco, começam a abrir-se os olhos, os ouvidos e os restantes sentidos. Após um certo lapso de tempo, revela-se o sentido interno, quando sente que vê, que ouve e que sente. Depois, notando as diferenças entre as coisas, manifesta-se o intelecto; finalmente, a vontade, aplicando-se a certos objetos e fugindo de outros, assume o papel de diretora.
Em todas estas coisas há uma gradação, mas sem termo.
("O HOMEM COMEÇA A SE DESENVOLVER A PARTIR DE UMA GOTA DE SANGUE PATERNO", ISTO VALE DIZER QUE O SER HUMANO NASCE GRAÇAS A TRANSMISSÃO GENÉTICA PELO "SÉMEN", NÃO PROPRIAMENTE PELO "SANGUE", MAS OS ANTIGOS SEMPRE USARAM O SANGUE COMO SINÔNIMO DE ELEMENTO TRANSMISSOR DA VIDA. TANTO É QUE EM TODO O ANTIGO TESTAMENTO, NA BÍBLIA HÁ UM DESTAQUE E REVERÊNCIA AO SANGUE COMO A SUBSTÂNCIA QUE REPRESENTA A SEDE DA ALMA
6. Mas em cada uma daquelas coisas há uma mera gradação. De fato, pouco a pouco, aparece a inteligência, como a luz radiante da aurora, e começa a emergir da profunda escuridão da noite; e, durante todo o tempo que dura a vida, cresce sempre mais a luz intelectual (a não ser que se trate de um débil), até ao momento da morte. De igual modo, as nossas ações são, a princípio, tênues, débeis, rudes e muito confusas; depois, a pouco e pouco, juntamente com as forças do corpo, também as potencialidades da alma se desenvolvem, de tal maneira que, durante todo o tempo da vida (exceto quem é tomado de um extremo torpor, sendo como que um morto vivo), há sempre qualquer coisa a fazer, a propor e a tentar; todas aquelas faculdades, numa alma generosa, tendem sempre mais para cima, sem um termo. Com efeito, nesta vida, nunca se consegue encontrar o fim, nem dos nossos desejos nem das nossas tentativas.
Tudo isto é demonstrado pela experiência.
7. Para qualquer parte que alguém se volte, conhecerá esta verdade por experiência. Se alguém ama o poder e as riquezas, não encontrará onde saciar a sua fome, ainda que chegue a possuir todo o mundo, o que é evidente pelo exemplo de Alexandre. Se alguém arde com sede de honras, não poderá ter paz ainda que seja adorado por todo o mundo. Se alguém se entrega aos prazeres, embora todos os seus sentidos nadem num mar de delícias, todas as coisas lhe parecem gastas e o seu apetite corre de um objeto para outro. Se alguém aplica a mente ao estudo da sabedoria, nunca encontra o fim, pois, quanto mais coisas uma pessoa sabe, tanto melhor compreende que lhe restam mais para saber. Efetivamente, com toda a razão, Salomão disse: «Os olhos não se saciam de ver e os ouvidos têm sempre desejo de escutar» (Eclesiastes, 1, 8).
Nem mesmo a morte põe fim às nossas aspirações.
8. Os exemplos dos moribundos provam que nem a morte marca o último termo das nossas aspirações. Com efeito, à hora da morte aqueles que passaram honestamente a vida exultam ao pensar que é para entrar numa vida melhor; ao contrário, aqueles que mergulharam no amor da vida presente, apercebendo-se de que a vão abandonar e de que deverão emigrar para outro sítio, começam a tremer, e se, de um modo ou de outro, ainda o podem fazer, reconciliam-se com Deus e com os homens. E embora o corpo, enfraquecido pelas dores, se debilite, os sentidos se ofusquem e a própria vida expire, todavia, a mente, com mais vivacidade que nunca, realiza as suas funções, tomando com devoção, gravidade e circunspecção as necessárias disposições acerca de si mesmo, da família, da herança, do Estado, etc.; de tal maneira que, quem vê morrer um homem piedoso e sábio parece ver um pedaço de terra que se esboroa, e quem o ouve falar, parece ouvir um anjo; e tem necessariamente que confessar que não se trata senão de um hóspede que se prepara para abandonar um pequeno tugúrio prestes a cair em ruínas. Os próprios pagãos compreenderam esta verdade; e por isso os romanos, como se lê em Festo [1], chamaram à morte partida, («ecabitio»), e os gregos usam, muitas vezes, a palavra que significa ir-se embora, em vez de perecer ou de morrer. Porquê, senão porque se compreende que, pela morte, se passa para um outro lugar?
O exemplo do Cristo-Homem ensina que os homens são destinados à eternidade.
9. Mas, a nós cristãos, esta verdade parece mais clara depois que Cristo, Filho de Deus vivo, enviado do céu a reproduzir a imagem de Deus desaparecida de nós, mostrou a mesma coisa com o seu exemplo. Efetivamente, concebido e dado à luz mediante o nascimento, andou entre os homens; depois de morto, ressuscitou e subiu aos céus, e a morte já O não tem sob o seu domínio. Ora Ele é chamado, e é de fato, o nosso precursor (Hebreus, 6, 20), o primogênito dos irmãos (Romanos, 8,29), a cabeça dos seus membros (Efésios, 1, 22 e 23), o arquétipo de todos aqueles que devem ser reformados à imagem de Deus (Romanos, 8, 29). Portanto, assim como Ele não veio para continuar a viver neste mundo, mas para passar, terminado o curso da vida, às habitações eternas, assim também nós, uma vez que nos cabe a mesma sorte que a Ele, não devemos permanecer aqui, mas emigrar para outro lugar.
O Homem tem três espécies de morada.
10. Para cada um de nós, portanto, estão estabelecidas três espécies de vida e três espécies de morada: o útero materno, a terra e o céu. Da primeira, entra-se para a segunda, mediante o nascimento; da segunda, para a terceira, mediante a morte e a ressurreição; da terceira, nunca mais se sai, eternamente. Na primeira, recebemos apenas a vida, juntamente com um movimento e sentidos incipientes; na segunda, a vida, o movimento e os sentidos com os primórdios da inteligência; na terceira, a plenitude perfeita de todas as coisas.
E três espécies de vida.
11. A primeira vida de que falei é uma preparação para a segunda; a segunda para a terceira; a terceira, de sua própria natureza, nunca termina. A passagem da primeira para a segunda e da segunda para a terceira é estreita e acompanhada de dores, e num e noutro caso se devem depor os despojos ou invólucros (ou seja, no primeiro caso, a placenta, e, no segundo, o próprio organismo do corpo), como faz o pintainho, quando, quebrada a casca, sai para fora. A primeira e a segunda morada, portanto, são como duas oficinas: naquela forma-se o corpo para uso da vida seguinte; nesta, forma-se a alma racional para uso da vida eterna; a terceira morada produz a verdadeira perfeição e prazer de ambos.
Os israelitas são símbolo disto.
12. Assim, os israelitas (seja-nos lícito adaptar este símbolo ao nosso caso) foram gerados no Egito e de lá, pelos estreitos caminhos dos montes e do Mar Vermelho, transferidos para o deserto, aí acamparam em tendas, aprenderam a lei, lutaram com vários inimigos; finalmente, atravessado pela força o Jordão, foram constituídos herdeiros da terra de Canaan, onde corriam rios de leite e de mel.
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